Uma Boa Vontade

Kant, filósofo alemão (Königsberg, 1724-1804), deixou-nos do seu pensamento ético uma raiz científica que semeada em cada um, com prudência e lucidez, germinará elementos para a experiência da vida sem ser necessário perder a liberdade de presença ou embotar-se de comoção pela experiência da mesma. O que quero dizer, vou fazê-lo em modo breve e objetivo, estando consciente das inquietações que poderão surgir pela escassez de elementos ou outras interpretações mais desejáveis. Vejamos, então, ao que me refiro:

- René Descartes (filósofo francês - séc. XVII), no plano do conhecimento, reclama a autonomia do sujeito de conhecimento e no plano moral revela-se estoicista, e a submissão ao mundo é para ele a última palavra sobre a moralidade. Cito, para o efeito, Manuel Lourenço, que diz de Descartes o seguinte: A sua moral provisória pressupõe a subordinação dos desejos do eu pensante à ordem das coisas.

Emmanuel Kant inverte o ponto de vista de Descartes e introduz na própria moral o primado do sujeito. Aliás, a preocupação dominante do pensamento ético kantiano é, de facto, a do estabelecimento do princípio supremo de moralidade no sujeito autónomo que cada homem representa enquanto ser moral.

- E como assegura Kant a autonomia do sujeito na ação moral?

Se o esforço original do seu pensamento ético é mais de compreender e justificar os princípios que fundamentam a ação moral do que propor novos valores morais, a sua caracterização moral aponta para o sentido determinador das condições formais da moralidade, tal como na Crítica da Razão Pura tinha determinado as condições transcendentais do conhecimento.

Assim sendo, dizia Kant que o fundamento dos valores morais não estava na sensibilidade nem em nenhum princípio transcendente, emanava da própria Razão Prática e Moral. Para o efeito, propôs-se na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática desenvolver as teses fundamentais sobre o problema da moral.

- Que sentido atribui, então, o pensador à ação moral?

Trata-se, em seu entender, numa caracterização geral, duma zona privilegiada da conduta humana, onde o homem pode subtrair-se ao determinismo dos fenómenos naturais, assumir-se duma forma livre como pessoa e autodeterminar o seu próprio destino. É este o sentido do seu Primado da Razão Prática; só no plano moral o homem pode ter acesso aos ideais da razão, ultrapassando os limites cognitivos do entendimento.

É esta a raiz científica, que semeada na razão de cada pessoa e plantada no coração de todos, permitirá, certamente, a resolução de muitas incompreensões humanas. É o próprio Kant que diz na Fundamentação da Metafísica dos Costumes: "Neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade."

De facto, os talentos do espírito; a argúcia de espírito, de julgar, discernimento ou as qualidades do temperamento, como a coragem, decisão e constância de propósito são dons naturais que são bons e desejáveis; mas podem tornar-se extremamente maus se a vontade que haja fazer uso deles não for uma boa vontade. O mesmo acontece com os dons da fortuna - poder, riqueza, saúde e os dons da felicidade - bem-estar, contentamento e sorte. São qualidades que são favoráveis a esta boa vontade, mas não têm um valor íntimo absoluto; pelo contrário, pressupõem ainda e sempre uma boa vontade. Moderação, reflexão, autodomínio e calma; não podem declarar-se qualidades boas sem reservas; sem os princípios de uma boa vontade, podem tornar-se más.

Só "a boa vontade parece constituir a condição indispensável do próprio facto de sermos dignos de felicidade".

Emmanuel Kant é incisivo a este propósito quando diz: "a boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é, em si mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se quiser, a soma de todas as inclinações".

E termina esta sua primeira grande preocupação com o chamar de atenção para a faculdade prática que é a Razão e para o poder que esta deve exercer na influência sobre a vontade e o seu verdadeiro destino que deverá ser produzir uma vontade, não só boa, quiçá, como meio para outra intenção, mas uma vontade boa em si mesma... Esta vontade não será na verdade o único bem nem o bem total, mas terá de ser contudo o bem supremo e a condição de tudo o mais, mesmo de toda a aspiração de felicidade.

A partir desta ideia de raiz, uma outra se expande e ganha movimento - é a ideia de Dever, que ganha dimensão conceitual na afirmação de ações conformes ou contrárias ao Dever, não se cansando o filósofo de fazer sentir o valor da diferença entre as ações que são conformes e as que são contrárias, quiçá, e na sua neutralidade filosófica não se cansando de demonstrar um carinho particular pelo conceito de Dever que deve estar na base do da boa vontade...

Macedo Teixeira


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